Candidatura expõe tabus de ex-ministra no setor elétrico – Valor

Comentário: O Ilumina nada tem a ver com a candidatura de nenhum dos pretendentes à presidência. É preciso não confundir nossas críticas, todas baseadas em dados, com preferências políticas.

  • Há muito temos insistido que usinas hidroelétricas não são meras fábricas de kWh e não poderiam “concorrer” com outras fontes de energia em leilões que fazem essa confusão.
  • Também temos insistido que uma visão mais abrangente envolvendo outros ministérios poderia destravar muitas resistências à construção de usinas. Elas precisam ser parte de algo maior e não enclaves nessas regiões.
  • Se a preocupação está centrada na capacidade de armazenar energia, é preciso deixar claro que se toda a capacidade de reservatórios do Rio São Francisco pudesse ser duplicada, a nossa reserva estratégica passaria de 5 meses para 6 meses, ainda uma situação muito desconfortável.
  • É preciso internalizar no planejamento as outras opções que estão mais perto da tomada: Redução de perdas na distribuição, energia solar distribuída, eficiência de equipamentos, arquitetura propícia a ventilação e muitos outros temas que são tratados como menores, mas não são.
  • A crítica sobre o Rio Madeira é injusta porque desde o início a concepção das usinas foi a fio d’água. Na realidade havia um projeto de uma usina a montante, na Bolívia, que poderia regularizar melhor o Rio Madeira. Essa usina não foi feita e, mesmo se fosse construída, provavelmente não evitaria a coincidência do degelo dos Andes com as chuvas tropicais da Amazônia, que, quando ocorrem, produzem um volume de água incontrolável.

Por Daniel Rittner e Rafael Bitencourt | De Brasília

A força eleitoral da ex-senadora Marina Silva na corrida ao Palácio do Planalto joga incertezas em dois eixos cruciais da política energética nos próximos quatro anos: a construção da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no Pará, e a eventual retomada de projetos de usinas nucleares. O desafio que ela tem é desfazer a apreensão do setor elétrico com suas posições históricas e manter a impressão positiva que o ex-governador Eduardo Campos já havia conseguido deixar entre investidores.

Na primeira semana de maio, a coordenação de campanha do PSB convidou nomes influentes do setor para uma reunião de seis horas, em um hotel de São Paulo, onde discutiram ideias e ouviram propostas. Segundo relatos de quem estava presente, o pernambucano foi bastante elogiado por suas intervenções, consideradas “pró-mercado”. Marina falou pouco, mas pessoas próximas a ela insistiram na necessidade de desestimular o consumo de energia pela indústrias eletrointensiva e usaram a expressão “ética da energia” para se posicionar contra empreendimentos que desalojam comunidades inteiras, gerando mal-estar nos executivos.

O atual secretário de infraestrutura de Pernambuco e ex-presidente da Chesf, João Bosco de Almeida, era de absoluta confiança de Campos e vinha sendo o principal interlocutor do PSB com a área energética. Poucos acreditam que ele manterá o mesmo protagonismo com Marina. A dúvida geral é se a ex-senadora adotará um discurso em linha com suas antigas posições ou usará um tom de conciliação para evitar a rejeição que já enfrenta no agronegócio.

Marina nunca falou especificamente sobre a usina do Tapajós, um megaprojeto de 8 mil megawatts (MW) vizinho a unidades de conservação da Amazônia que o governo pretende leiloar no fim deste ano, mas já pediu uma “auditoria externa” em Belo Monte e teve atuação direta no licenciamento ambiental do complexo hidrelétrico do rio Madeira. No frenesi do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que foi lançado quando ela era ministra de Meio Ambiente do governo Lula, Marina se desgastou rapidamente com o Planalto ao exigir uma análise rigorosa dos impactos socioambientais de grandes projetos. Graças à sua insistência, as usinas do rio Madeira tiveram seus reservatórios significativamente reduzidos, mas ela não conseguiu evitar que pareceres técnicos contrários do Ibama fossem atropelados por decisões políticas de liberar as hidrelétricas.

Na mesma época, Marina criticou abertamente a retomada da construção de Angra 3, tendo sido o único voto contra o projeto entre os dez membros do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Depois do acidente com a usina japonesa de Fukushima, o governo congelou as discussões sobre o futuro da energia nuclear no Brasil, mas a aposta é de que novos projetos podem ser anunciados em um eventual segundo governo de Dilma Rousseff. A Eletronuclear trabalha nos estudos para a localização de mais quatro plantas.

Para o professor Nivalde de Castro, coordenador do grupo de estudos do setor elétrico da UFRJ, Marina “terá necessariamente que mudar o discurso” e deixar claro como pretende atender à expansão da demanda. “Só a energia solar e a energia eólica não seguram o país. Se ela for contra grandes hidrelétricas e usinas nucleares, o Brasil teria que se debruçar sobre um grande plano de eficiência energética. Caso contrário, a equação simplesmente não fecha”, afirma.

“Não podemos esnobar essas fontes”, rebate o coordenador da campanha de energias renováveis do Greenpeace Brasil, Ricardo Baitello, que vê a possibilidade de uma diversidade maior na matriz elétrica nacional. Um plano traçado pela organização não governamental tenta demonstrar a viabilidade de desativar, até 2050, todas as usinas nucleares e térmicas a carvão e a óleo do país.

O Greenpeace elaborou uma proposta em que recomenda uma matriz com 20% de eólicas e 20% de energia solar na matriz, no longo prazo, além de uma redução equivalente a 10% do consumo. Para Baitello, o desafio de Marina será mostrar “como podemos atender ao crescimento da demanda e dar segurança à matriz elétrica sem aumentar custos e respeitando o meio ambiente”.

O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, considera difícil apostar todas as fichas em fontes tidas como limpas. Para ele, a geração eólica e solar está longe de cumprir a função da hidráulica ou térmica. “Neste quesito, o Brasil tem vantagens em relação a outros países, mas a eólica só gera quando venta”, disse. Sobre a energia solar, o especialista acredita que terá crescimento forte com painéis em tetos de residências, por exemplo, mas sem relevância estrutural.

Sales ressalta que o potencial hidrelétrico do país deve se esgotar antes de 2030. “Daí, qual será o futuro?”, questiona. Ele considera que a energia nuclear e de carvão mineral, rejeitada por ambientalistas, deve ampliar a presença – e não diminuir.

A secretária-executiva do Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos, rejeita a ideia de que Marina teve uma postura de barrar grandes empreendimentos de infraestrutura. Segundo ela, a ex-ministra não negou a licença ambiental de nenhum projeto de grande porte, mas conseguiu discuti-los de forma mais ampla.

Um dos vícios recorrentes nos processos de licenciamento ambiental mais recentes, segundo Adriana, é a liberação de grandes obras antes de que esteja esgotada a discussão sobre seus impactos. Com isso, acumulam-se contestações judiciais e paralisações posteriores, consumindo todo o tempo obtido com a queima de etapas que deveria anteceder as licenças prévias. Ela cita a usina de Belo Monte como evidência disso.

 

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