Caro demais para produzir – O GLOBO

Comentário: Já está mais do que evidente que é preciso abrir “caixa preta” do mercado livre de energia elétrica brasileiro. A situação atual, quando 1 MWh é “vendido” por R$ 822 gera manchete de primeira página nos jornais. Empresas que deveriam produzir bens que usam energia elétrica preferem “vender” seus contratos.

Fazendo uma analogia simples, tudo se passa como se marceneiros preferissem vender suas peças de madeira estocadas ao invés de produzir móveis. Entretanto, a comparação não é perfeita, pois as empresas eletrointensivas não têm energia elétrica estocada. Elas têm um “direito” de liquidar seu consumo pelo preço do seu contrato, mas, dada a elevação do preço de curto prazo, preferem repassar esse “direito” a outros.

Quem “compra” esse direito? Porque está nessa situação? Quem fixa os preços dessa “negociação”? Porque os preços desse mercado atingem recordes mundiais?

Mas a grande surpresa da abertura da “caixa preta” seria revelar o que ocorre nos momentos marcados com as setas vermelhas no histórico de preços do mercado no gráfico abaixo. Quem pode “comprar” energia tão barata? Porque pode “comprar”? Quem paga a diferença desse “preço” com o custo real de produzir energia elétrica? Existe algum outro exemplo de mercado onde haja diferenças de 20.000 % como ocorre aqui? Esse sintoma já não seria suficiente para abrir a caixa preta?

Os leitores desse comentário devem estar estranhando tantas “aspas”. A razão está na natureza virtual do nosso mercado jabuticaba. Ninguém “compra” e ninguém “vende”. Na maioria das vezes não há negociação entre as partes. O acerto é feito através de um escritório de contabilidade que simplesmente vê quem deve e quem tem saldo. O preço? O preço é definido por um programa de computador que nada sabe sobre contratos.

Exagero? Então, por favor expliquem….

 


 

Ramona Ordonez – Henrique Gomes Batista

RIO E SÃO PAULO – Uma combinação de crescimento econômico muito baixo e preços da energia nas alturas está levando várias indústrias a reduzir sua produção para vender energia no mercado livre. Documento obtido pelo GLOBO mostra que apenas as 12 maiores operações de liquidação (venda) de energia pela indústria realizadas em maio (último dado disponível) renderam R$ 289,42 milhões, segundo planilha da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), responsável pelo fechamento dos negócios neste mercado. As empresas são de mineração, siderurgia, papel e celulose e petroquímica, entre outros. São, em sua maioria, indústrias eletrointensivas. Muitas delas têm usinas próprias de energia e, agora, estão vendendo este insumo.

A colunista Miriam Leitão informou, no último dia 17, que empresas estão interrompendo a produção para vender energia. O GLOBO apurou que, além das indústrias intensivas no uso de eletricidade, que aparecem no relatório da CCEE de maio, nos últimos meses, com a piora na atividade econômica, empresas de outros setores também recorreram à prática de frear a linha de montagem para vender energia excedente no mercado. Neste caso, muitas não têm geração própria de energia, mas fecharam contratos de compra do insumo quando os preços estavam baixos e, agora, diante da disparada das tarifas, estão revendendo.

MONTADORAS E FABRICANTES DE ELETRODOMÉSTICOS

Segundo técnicos do setor, o ganho com essa operação não é pequeno e chega a ser de sete vezes o valor que seria pago na energia pela indústria caso a consumisse ,previsto em seus contratos. . Há contratos de compra de energia fechados há alguns anos por R$ 100 por megawatt hora (MWh) — o preço agora no mercado à vista usado pelos grandes consumidores, está em R$ 731,08 por MWh.

O mercado livre é usado por empresas que respondem por cerca de 60% da produção industrial brasileira. Lá, elas fecham contratos de médio e longo prazos para a energia que usarão em sua produção. Caso não a utilizem integralmente, na liquidação mensal na CCEE, as empresas “devolvem” a energia excedente para o sistema, recebendo o pagamento pela tarifa no mercado à vista. Esta tarifa, extremamente volátil, foi às alturas em fevereiro deste ano, com a falta de chuvas e o descasamento na oferta de energia provocado pela mudança nas regras de concessões feita no ano passado.

No fim de 2013, o preço da energia no mercado à vista estava em R$ 290,72 por MWh. Em fevereiro, bateu o teto fixado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel): R$ 822,83 por MWh.

‘ELAS NÃO TÊM PARA QUEM VENDER SEUS PRODUTOS’

Segundo o diretor comercial da Bolt Comercializadora, Rodolfo Baltazar, a venda de energia no mercado à vista vinha sendo feita no início do ano pelas indústrias eletrointensivas, que consumem muita energia para produzir, como alumínio, metalurgia e químicos, e nas quais a conta de energia pode superar os 40% dos custos de produção. Agora, esta prática já passa a ser adotada em outros setores, como as montadoras e as fabricantes de eletrodomésticos.

— Estas empresas estão enfrentando uma redução da atividade econômica. Para elas, a liquidação de seus contratos (de energia) é uma consequência conjuntural. Estas indústrias estão tomando a melhor decisão econômica para seu negócio — destacou Baltazar.

Segundo ele, não é a busca por ganhos imediatos com as altas tarifas de energia que fez a estratégica se popularizar:

— Mais empresas estão reduzindo sua produção. Não é para ganhar com a venda de energia, é porque não têm para quem vender seus produtos — destacou Baltazar.

O freio na atividade econômica explica essa distorção. Os analistas do mercado financeiro preveem que o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) vai crescer só 1,05% este ano. E estimam que a indústria brasileira vai sofrer uma retração de 0,9%.

Lourival Kiçula, presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), afirmou que, no setor, esse fenômeno tende a ser sazonal. Ele lembra que 2014 foi um ano atípico por causa da Copa. As empresas concentraram a produção nos primeiros meses do ano.

— A venda de televisores entre janeiro e abril foi 43% superior a igual período de 2013. Algo parecido ocorreu com as geladeiras, porém em menor intensidade. Mas, de agora em diante, pouca gente vai comprar TV, e as empresas estão reduzindo a produção, o que faz sobrar energia. Isto deve durar até agosto ou setembro, quando recomeça a produção forte para o Natal — disse ele, que não soube indicar quais empresas estariam vendendo energia no mercado livre.

COMPRA POR R$ 100, VENDA POR R$ 731

O preço médio de liquidação da energia no Sudeste ficou no teto de R$ 822,83 por MWh até abril, teve ligeira queda em maio e junho. Mas, na última semana de julho, subiu novamente, para R$ 731,08 por MWh.

— Há grandes consumidores que contrataram energia a R$ 100 ou R$ 120 o MWh e agora estão vendendo por R$ 731, um valor sete vezes maior. Além do lucro, muitas empresas aproveitam o momento para realizar manutenções nas instalações, por exemplo — disse uma fonte, lembrando que, no racionamento de 2001, o governo criou até incentivos para que as empresas vendessem energia no mercado.

Dados da CCEE mostram que, entre os dez setores que mais consomem energia no mercado livre, seis apresentaram queda de consumo em maio deste ano na comparação com o mesmo mês do ano passado: metalurgia; químicos; madeira, borracha e plástico; celulose; veículos e equipamentos de transporte; e têxteis. Juntos, estes setores têm redução no consumo é de 4,5%.

A indústria química e petroquímica, que é eletrointensiva, é um dos setores que têm vendido a energia já contratada no mercado e reduzido sua produção. A informação é de Nivio Rigus, membro do conselho da Abiquim, associação do setor, e diretor do sindicato da indústria química (Sinproquim). Os últimos dados da produção industrial, relativos a maio, mostraram queda de 5,7% no setor.

— Nosso segmento tem sofrido muito com a concorrência de importados. Várias empresas têm optado por não enfrentar esta competição, diminuíram a produção e começaram a vender energia.

Colaboraram Roberta Scrivano e Lino Rodrigues

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