Ministério diz que evitou tarifa 90% maior – Valor

Comentário: O ILUMINA contesta ponto por ponto as declarações do secretário executivo em cor marrom. Enquanto isso, o boi dorme.

Por Daniel Rittner e Murillo Camarotto | De Brasília

Um dos pais da Medida Provisória (MP) 579, o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, diz que as ações tomadas pelo governo evitaram uma explosão de tarifas por causa da estiagem severa. Sem essas iniciativas, segundo ele, os consumidores estariam pagando hoje uma conta entre 90% e 100% mais cara. Realmente seria um espanto e, com certeza, geraria manchete internacional, pois seria a mais cara tarifa do planeta! Talvez obrigasse as autoridades a tentar explicar como conseguiram isso. Como é fácil citar números mirabolantes nesse nosso confuso setor!

Para rebater as críticas, Zimmermann ressalta o valor recuperado com a renovação das concessões, em troca de queda das tarifas. Esse montante, apenas no caso das hidrelétricas, chega a R$ 200 bilhões. “Se não fazemos isso, quem ficaria com esse dinheiro?”, questiona o secretário.

Zimmermann nega que a medida tenha espantado os investimentos na área energética e descartou a possibilidade de “bomba tarifária” no próximo ano. Sobre a iniciativa privada, será que o governo vai com a mesma mão pesada que usou na Eletrobras?  Ele afirma ainda que, apesar das desconfianças do mercado, a hidroeletricidade continuará liderando a expansão da matriz elétrica nacional. A seguir os principais trechos da entrevista.

Valor: A oposição costuma acusar o governo de represamento artificial de tarifas. Haverá “tarifaço” nas contas de luz em 2015?

Márcio Zimmermann: A última vez que ouvi falar em bomba tarifária foi quando saiu o empréstimo [da CCEE] às elétricas. Nós rapidamente tratamos de desmontar isso com base no contrato, no valor emprestado, na carência, no prazo para pagamento. Além disso, tem o fator redutor, que é o vencimento das concessões [que não aderiram originalmente ao pacote do setor elétrico]. Então, o efeito é muito pequeno. Na verdade, tem havido uma grande confusão: com ou sem a MP 579, teríamos que gerar exatamente o mesmo volume de energia térmica, por causa de uma situação conjuntural extrema. O sistema é hidrotérmico e está equilibrado para aguentar isso. Mas vamos divulgar em breve um estudo que mostra que, se não tivéssemos adotado as medidas tomadas, o consumidor estaria pagando hoje uma tarifa de 90% a 100% maior. É um ponto importante e fácil de provar.

Ilumina: Já que a MP 579 nada tem a ver com a estratégia de despacho térmico adotada nos últimos anos, como explicar a coincidência de que antes da medida as térmicas respondiam por apenas 9% da carga e no mês seguinte passaram a 21%? Estavam distraídos? Esse é um questionamento já feito pelo ILUMINA em artigo de jornal de grande circulação que continua sem resposta.

Valor: O mercado até hoje reage mal aos desdobramentos da MP 579. O sr. avalia que possa ter havido algum erro de calibragem?

Zimmermann: A legislação brasileira sempre previu o regime de concessão para as usinas hidrelétricas. Não tem sentido dar o rio para alguém explorar eternamente. Todas as usinas que leiloamos a partir de 2005 já têm essa previsão [de retomada]. O mercado pode ter reagido mal, mas será que avaliou direito a legislação? Existe algum país no mundo que dá rio para alguém explorar para sempre? Os benefícios da MP, só com a energia mais barata alocada no regime de cotas, gera economia em valor presente de R$ 200 bilhões. Se não fazemos isso, quem ficaria com o dinheiro? As concessionárias. Tem lógica?

Ilumina: Nenhum país do mundo adota a tarifa compulsória por usina como foi adotado no Brasil. Aliás, nem há tarifa por usina. Quem tem tarifa é a empresa concessionária e a receita da amortização é capturada via contabilidade e regulação da taxa de retorno. Quem desmontou esse sistema, que é majoritariamente adotado em sistemas de base hídrica, foi o próprio governo que, através de leilões de energia existente, destruiu totalmente o conceito de tarifa, mergulhando de cabeça no conceito mercantil da energia. As “caras” tarifas das estatais não foram fixadas pelas empresas, como pode parecer. Foram obra desse governo e desse modelo. As novas e irrisórias tarifas definidas para as usinas da Eletrobrás são insuficientes em qualquer comparação internacional. O ILUMINA pede ao secretário que aponte uma usina hidroelétrica em qualquer outro sistema que tenha um custo de O&M equivalente a US$ 3/MWh, como foi imposto aqui.

Valor: As transmissoras de energia estão projetando em R$ 20 bilhões o valor das indenizações referentes aos investimentos feitos antes de 2000. O ressarcimento pode chegar a esse valor?

Zimmermann: A lei define quem faz a avaliação. No caso da transmissão, elas entram com um processo na Aneel e a agência faz a avaliação do pleito. Pode haver diferenças. Veja o caso da usina de Três Irmãos. A EPE [Empresa de Pesquisa Energética] avaliou e colocou um valor. O Estado de São Paulo achava que valia três vezes mais. Então, o assunto tem que ser discutido.

Ilumina: As notas técnicas que definiram as indenizações têm falhas inacreditáveis. Fator de potência no lugar de fator de capacidade, usinas novas como paradigma para julgar custos de antigas e até erros estatísticos. Se essa metodologia fosse aplicada às usinas que compuseram a base de dados, certamente algumas delas não seriam construídas. O ex-diretor da ANEEL, Edvaldo Alves denunciou à revista Época que essas notas técnicas não passaram pela diretoria da agência. E ficou tudo por isso mesmo.

Valor: Com as dificuldades de caixa enfrentadas pelo Tesouro Nacional, a alternativa mais viável poderia ser fazer um repasse das indenizações para as contas de energia?

Zimmermann: Sempre que você tem isso [dificuldade do Tesouro Nacional ], há alternativas: ou indeniza ou coloca na tarifa. Mas há um processo a ser cumprido. Ao dizer que o Tesouro não tem dinheiro, estamos avançando uma etapa. O que existe é um pleito, e a Aneel precisa chancelar ou não.

Ilumina: Ué? Onde estão os R$ 200 bilhões citados “salvos” para o consumidor? Mentira? Vão sair do bolso do contribuinte?

Valor: Especialistas têm feito alertas seguidos sobre os riscos de racionamento. Temos condições de enfrentar mais um ano de hidrologia desfavorável?

Zimmermann: Tivemos um dos piores anos, em termos de hidrologia, de toda a série histórica em 2014. Mesmo assim, estamos com 28% de armazenamento nos reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste e já no quinto mês de seca, entrando no período de transição para a volta das chuvas. Houve uma queda de uns dez pontos percentuais em todo esse período. Conseguimos segurar. O sistema é planejado para um determinado ponto. Se houver uma mudança climática global e a América do Sul virar um deserto, aí realmente não tem jeito. Mas, considerando nosso histórico de vazão e as projeções que temos, estamos trabalhando com risco de déficit para 2015 da ordem de 4,8%. Isso está abaixo do nível máximo de risco definido pelo Conselho Nacional de Política Energética, que é de 5%.

Ilumina: O ano de 2011 foi 20% acima da média, 2012, 13% abaixo, 2013 foi um ano médio e 2014 está sendo um ano muito seco. O histórico de afluência já mostrou situações bem piores. Caixas d’água se esvaziam por falta de água na entrada, mas também es esgotam se a gestão é otimista e perdulária. Culpar São Pedro é fácil. Ele não se defende e por isso é santo.

Valor: Tem se falado em inversão de um sistema hidrotérmico para um sistema termohídrico, com maior prioridade para a geração térmica. É correto falar nessa tendência? Para onde podemos caminhar na expansão da oferta de energia?

Zimmermann: O Brasil é privilegiado. Mais de 70% da energia produzida no mundo é térmica. No Brasil, mesmo em um ano seco como está, fica em 25%. Estamos construindo 20 mil megawatts de hidrelétricas e só exploramos 33% do nosso potencial. A prioridade da política energética é a expansão da hidroeletricidade. Estamos trabalhando com projetos bastante amigáveis com a região amazônica e que até ajudam a preservar, que são as usinas-plataforma, como as que serão usadas, a princípio, no rio Tapajós. Mas, no ano que vem, também seremos o segundo país do mundo em expansão eólica. Temos grande disponibilidade de gás e metas desafiadoras no etanol.

Ilumina: O Brasil é privilegiado, mas está a bordo do planeta. As usinas plataformas vão na contramão de uma visão abrangente que reconheça que elas são muito mais do que fábricas de kWh. Estamos atrasados nas eólicas e a nossa indústria não produz nenhum dos equipamentos de controle, essenciais para esse parque. Usinas eólicas não são apenas hélices.

 

 

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