O Pool pode ser uma péssima idéia

Quando, em 2002, o Instituto da Cidadania convidou um grupo de técnicos para formular as diretrizes para o que seria um novo modelo para o setor elétrico brasileiro, o espírito dominante era o do interesse público e o do resgate do papel do estado através de suas empresas públicas. Sob esse amplo conceito, estava claro que era necessário rever o enfoque puramente mercantil que domina o modelo ainda vigente. Afinal, um racionamento de dimensões comparáveis a períodos de guerra já era um óbice grande o suficiente para alertar a sociedade brasileira sobre as falsas promessas das reformas iniciadas desde 1995.


Lá, a idéia da formação de um “pool” já estava delineada através de conceitos fundamentais. O mais importante e, talvez, o mais mal compreendido, foi o que ganhou o apelido de “energia velha”, que nada mais é do que reconhecer o direito do consumidor sobre investimentos que ele financiou. Os “mercadólogos” dizem não existir tal coisa, mas o mundo está repleto de exemplos da aplicação da regulação de serviço pelo custo, principalmente em países e regiões onde a geração hidroelétrica predomina. O exemplo mais emblemático é o da Hydro-Quebec, empresa estatal canadense que, com um parque instalado de 35 GW, metade da capacidade brasileira, é capaz de oferecer energia a preços cinco vezes menores do que os da Califórnia, sem impedir de apresentar resultados razoáveis, já que a empresa lucrou por volta de US$ 1,2 bi em 2002.


O Brasil, repleto de geração hidráulica praticamente perene, é o maior exemplo de disponibilidade de energia de baixo custo no mundo. O governo anterior pretendeu, e parcialmente conseguiu, abrir mão dessa vantagem em favor do setor privado, vendendo indevidamente usinas que já haviam sido amortizadas pelo consumidor. Felizmente, outras incompetências do mesmo governo barraram tal “tiro no pé”, mas, surpreendentemente, o perigo ainda não passou. Hoje, os interlocutores, consultores e especialistas participantes das discussões no Ministério têm perfil muito diferente daquele que trabalhou no Instituto Cidadania.


O fim do planejamento patrocinado pelo neo-liberalismo do governo anterior produziu um festival de contratos que, no mínimo, vão contra o princípio legal da modicidade tarifária. A idéia base do Pool é o estabelecimento de uma média, e, como toda média, há preços baixos e altos. Na lista das atuais compras de energia das distribuidoras é possível achar contratos que ultrapassam R$ 150 por MWh. Alguns são com empresas coligadas que, apesar de caros, receberam autorização da ANEEL para serem repassados ao consumidor.


Ora, se implantação do novo modelo quiser compensar esses abusos à custa das baixas tarifas das estatais sem enfrentar o festival de equívocos energéticos que assolou o ambiente nos últimos anos, o Pool estará indo contra aqueles fundamentos do Instituto Cidadania! Façam as contas e entendam que, supondo uma média de R$ 75/MWh, e, aceitando um contrato que é repassado ao consumidor por R$ 150/MWh, é preciso que alguém, do outro lado, doe sua energia de graça!


A CEMIG e a COPEL já se manifestaram contrárias à idéia de “subsidiar” energias caras com suas usinas. Caso isso ocorra, sobraria a energia das estatais federais, com praticamente 3500 MW descontratados e, portanto, sujeitos à tentação de fazer média à custa de uma baixa remuneração das empresas públicas. Se isso for verdade, tudo o que está escrito naquele documento do Instituto Cidadania foi esquecido.


O pano de fundo dessa questão é a indefinição do governo quanto a politica de transição para o novo modelo e, principalmente, a função de suas estatais. Afinal, o governo Lula foi eleito com a missão de não privatizar suas empresas públicas para torná-las ágeis veículos de sua política de desenvolvimento. Se o modelo for apenas mais uma maneira de transferir recursos públicos para o setor privado, será transformado em mais uma péssima idéia!


Roberto Pereira d´Araujo

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