O PÚBLICO (!) e o público (?)

Amanhecemos no dia 9 de junho. Repentinamente, contudo precedido há alguns meses de sintomas salpicados nas noticias e entrevistas de dirigentes do governo, sintomas impalpáveis, mal divulgados e de difícil digestão, a imprensa traz a noticia de mudanças na modelagem da privatização de Furnas. Ora viva, pensamos impactados pelas primeiras noticias. Finalmente um primeiro passo em direção a empresa de serviço público realmente PÚBLICA E CIDADÃ. Tal impacto esperançoso, entretanto, teve características exageradamente metafísicas: esperar do governo avanços deste quilate tinha tudo para ser definido como uma visão patologicamente otimista.

Antes de continuar a ler este editorial, sugerimos clicar – (1)e acessar o editorial anterior entitulado ” O Modelo do Ministro Tápias” . A entrevista do Ministro, comentada naquele editorial, foi um dos sintomas prévios impalpáveis do modelo divulgado em 9 de junho.

Para tentar entender os “days after” , seria necessária enorme paciência reunindo e digerindo tudo o que os dirigentes estatais disseram à imprensa nas últimas duas semanas e tudo o que os jornalistas de todos os tipos escreveram e divulgaram. Seria extremamente cansativo analisar todas as contradições que apareceram nas linhas e entrelinhas das afirmações de ministros, parlamentares da base governista, comentaristas mais ou menos independentes ou mais ou menos éticos e, até, em executivos brasileiros ou estrangeiros das empresas elétricas já privatizadas. A única, parca e até irrelevante coisa que ficou um pouco mais clara, mais próxima de fato real a se registrar na história dos tempos que correm, seria a ” divisão no seio do governo ­ na qual vislumbramos benvinda lucidez em uma parte ­ sobre o modelo a ser adotado para as empresas de geração.” Postas as aspas pois esta expectativa, de otimismo um tanto sem sentido, constou de carta de 15 de maio enviada pelo ILUMINA ao jornal Folha de S. Paulo. Publicada em 27 de maio com um quarto do texto da versão enviada, pode ser acessada se desejado clicando (2).

Limitaremos nosso esforço a alguns exemplos tirados dos jornais. Bastam, como veremos, para mostrar o opaco cenário triste e persistente. Vejamos:

– Da entrevista do Ministro Tourinho ao jornalista Marcio Moreira Alves n´O GLOBO:

“O importante é termos administrações profissionais cujas decisões tenham absoluta transparência e com uma clara separação entre o Conselho de Administração e a Diretoria Executiva”

Mesmo imaginando que o ministro se refira a um Conselho de Administração que não tivesse entre seus membros diretores da empresa, vemos incompleta a sua afirmação. Numa vislumbrada empresa PÚBLICA E CIDADÃ, um Conselho, devidamente ampliado com membros indicados pelas entidades representativas da sociedade e dos consumidores ­ não possuidoras necessariamente de ações ordinárias ­ seria a estância na qual seriam eleitos os diretores da empresa e estabelecidos a priori os critérios de participação na eleição. Só sob esse processo teriam validade as “administrações profissionais” do Senhor Ministro. Fora dele, na definição de “profissional” continuarão a prevalecer os parâmetros nada edificantes no campo ético, sempre presentes, levados mais recentemente ao paroxismo entre os executivos estatais das empresas prestes a serem privatizadas.

“Se houver a mínima suspeita de que o governo continuará a mandar na empresa, os investidores privados não entrarão no negócio ….”
“Nesse modelo acha, não haverá espaço para o corporativismo que no passado onerou as estatais.”

O ministro certamente atira onde vê e acerta o que finge não ver. Não propalamos a permanência do modelo estatal vigente desde os anos sessenta, na ditadura militar e após ela, nas empresas federais e estaduais do setor elétrico. Muito mais grave do que o propalado corporativismo, alardeado sobretudo pelos governos pós ditadura, foi o ambiente corruptor e mediocrizante de privatização do estado, com o aparelhamento fisiológico das empresas sob o controle das grandes empresas empreiteiras e/ou fornecedoras de bens e serviços, mantida uma rígida hierarquia de poderes, inviabilizada qualquer possibilidade de efetivo controle público.

– Da coluna da jornalista Miriam Leitão n´O GLOBO de 15 de junho:

” Para criar uma empresa sem dono, uma corporação púbilca, é preciso fazer várias mudanças de leis, normas e costumes (ênfase nossa). Não será simples. O capitalismo brasileiro foi todo construído em torno da figura do controlador. Além de mudar regras na ANEEL será preciso compatibilizar a lei das S.A. e até normas do BNDES que exigem, como garantias de empréstimos, o aval do controlador.”

Apesar da característica acaciana da constatação sobre mudança de costumes a observação merece elogio. Nas elites dominantes e dirigentes brasileiras predominam os Conselheiros Acácios. A começar pelo primeiro mandatário. Nesse aspecto Miriam está bem acompanhada. De fato, o que parece não ser ululantemente óbvio, até pelos contingentes ortodoxo-autoritários da esquerda, na busca da empresa PÚBLICA E CIDADÃ é a necessidade de um processo em que fossem eliminados os hábitos e costumes totalitários de pensamento e de ação, num ambiente no qual todas as hierarquias de poderes fossem substituídas por hierarquias de autonomias. Não seria um processo rápido. Ajudaria bastante, no aprendizado e na conscientização em tempo real, a implantação de instrumentos e mecanismos de controle das empresas de serviço público e da administração direta pela sociedade. O Conselho de Administração ampliado mencionado acima seria somente um ­ importante ­ daqueles instrumentos.

Angústia pessimista poderia nos levar a dizer que, no drama brasileiro, tal avanço em direção ao PÚBLICO , deixando o público para trás, não seria viável nem a médio prazo sob o contigente de personagens dominantes e dirigentes hoje no poder. Entretanto, não seria preciso sugerir leituras mais ousadas, libertárias, auto-gestionárias, autonomistas, bakunistas. Baixemos a bola com pragmatismo esperançoso e cândido. Do mesmo modo que a leitura d´O Poço do Visconde de Monteiro Lobato deve ser recomendada para os iniciantes interessados no que é soberania, ousamos recomendar uma leitura rápida, aqui mesmo neste “site”, de recente discurso do presidente da empresa PÚBLICA americana Tennessee Valley Authority ­ TVA. Clique (3). A recomendação de texto americano vem ao encontro da nossa teimosa servidão voluntária. Nesse caso, pelo menos, os conceitos são dignos de serem imitados. Mas, procurando ainda neste “site ou solicitando ao ILUMINA, outras matérias nacionais, escritas a partir de 1985, sobre a busca da empresa PÚBLICA e CIDADÃ, estão a disposição dos interessados nessa mutação realmente democrática.

 

21 de junho de 2000

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