Para rever a definição de preços do setor elétrico – Valor

Comentário : Nossas ponderações se encontram após o artigo.


 

Por Pietro Erber

Em vista da diversidade de sugestões em torno de eventual alteração do valor máximo do Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) na comercialização da energia no sistema elétrico interligado, cabe observar sua definição oficial, bem como a do Custo Marginal de Operação na qual se baseia. Ambas constam do Glossário da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica.

PLD – Preço de Liquidação das Diferenças – é o preço utilizado para valorar determinadas operações no âmbito do Mercado de Curto Prazo (MCP). Esse preço é calculado semanalmente para cada submercado e cada patamar de carga, tendo como base o Custo Marginal de Operação, limitado por valores mínimo e máximo definidos pela Aneel.

Custo Marginal de Operação (CMO) corresponde ao custo para se produzir o próximo MWh que o sistema necessita, sendo estabelecido para cada submercado, semana e período de comercialização.

O CMO reflete, assim, o custo de atender, em curto prazo, uma unidade adicional à demanda para a qual o sistema foi constituído de modo a supri-la ao menor custo.

Se houver hidrelétricas que estejam vertendo, esse custo é baixo, apenas o necessário para cobrir despesas de operação e manutenção. Se não há vertimento, tal custo varia bastante, pois o atendimento incremental acarreta depleção ou retardo no reenchimento dos reservatórios. Em maior ou menor grau, essa situação exige maior volume de água para produzir uma unidade de energia e aumenta o risco de déficit de atendimento.

Quando a esse risco corresponde um custo determinado pelos critérios de operação do sistema interligado, as termelétricas são acionadas, na ordem crescente de seus custos de operação. Finalmente, se todas as termelétricas já estiverem em plena operação, um aumento de demanda acarreta deplecionamento da energia armazenada, já em estado crítico.

Portanto, é natural que num sistema gerador ainda dotado de forte base hidráulica, como o brasileiro, os custos de suprimento não contratado sejam muito variáveis, em vista da possibilidade de se ter de acionar usinas térmicas, algumas das quais apresentam custos de operação elevados. Por outro lado, quando há sobra de capacidade hidrelétrica, vigora o preço mínimo, atualmente de R$ 15/MWh, destinado a cobrir custos operacionais mínimos. Em termos gerais o PLD representa o custo variável de geração do recurso energético mais caro efetivamente despachado para atendimento ao sistema.

Entretanto, o PLD não é apenas um indicador de custos de opera ção, mas um importante instrumento de orientação dos agentes do mercado de energia elétrica, pois os afeta financeiramente mediante incentivos e penalidades. Consumidores livres e empresas distribuidoras ficam expostos ao PLD por não terem contratado energia suficiente para seu suprimento; por outro lado, geradores que tenham contratado maior suprimento de energia do que conseguem fornecer também ficam expostos a terem de adquirir a diferença no mercado de curto prazo.

No entanto, podem ocorrer situações nas quais esses agentes não deveriam ser penalizados, por não serem responsáveis por não terem adquirido energia em quantidade suficiente ou porque o parque gerador enfrenta situação hidrológica excepcionalmente desfavorável, ou não tenha sido expandido adequadamente.

O forte movimento para alterar o critério de definição do PLD, que hoje se registra, apresenta pelo menos dois objetivos distintos: conferir maior consistência à justificativa de seu limite superior e reduzir substancialmente seu valor. Atualmente o valor máximo fixado pela Aneel corresponde ao custo de geração na usina de Camaçari registrado em 2002, corrigido pelo IGP-M. Portanto, provavelmente não representa mais a realidade, pois reflete uma situação passada de uma única usina, que até poderá estar fora de serviço em algum momento.

Diminuir o valor máximo do PLD reduziria o prejuízo de diversos agentes, consumidores livres, distribuidoras e geradores fortemente expostos ao mercado de curto prazo; se tomada imediatamente, estimularia a oferta de energia existente nos próximos leilões, o que também reduziria aqueles prejuízos, pelo menos no curto prazo; por fim, diminuiria o desequilíbrio entre agentes deficitários e superavitários.

Porém alterar critérios estabelecidos e praticados há mais de dez anos justamente quando eles se mostram inconvenientes para alguns, embora vantajosos para outros agentes, configuraria um casuísmo e prejudicaria a percepção de segurança regulatória.

A adoção de um valor próximo da média dos custos de geração térmica (conforme foi aventado) para o limite superior do PLD em vez de um valor que represente o nível de custos de operação termelétrica mais elevados desestimularia os esforços para que se evite a utilização dessas geradoras, não sinalizaria a gravidade da situação da oferta e careceria de uma base teórica, como a dos custos marginais. Além desses aspectos, a própria definição do PLD, acima transcrita, torna um contrassenso definir o limite superior do seu valor, relacionado aos custos marginais de operação, geralmente crescentes, pelo seu valor médio.

Certamente os limites do PLD poderiam ser revistos:

Mas que qualquer revisão seja feita gradualmente, de forma transparente, amparada em consulta pública, com justificativas que reflitam a realidade do setor e não aspectos conjunturais.

Que o valor máximo do PLD reflita a média ponderada dos custos do conjunto de usinas mais caras que representem determinada parcela (por exemplo, 10%) da oferta de energia termelétrica.

Que sejam examinadas e, eventualmente, previstas nos contratos de suprimento situações deficitárias nas quais a responsabilidade por falta de suprimento não seja atribuída aos respectivos agentes, como quando o sistema enfrenta situações hidrológicas adversas ou carece de equilíbrio estrutural, pelo qual o governo é responsável. Observa-se que, pelas regras vigentes, se decretado o racionamento, o procedimento de rede não penaliza os geradores pelas parcelas não supridas.

Se o valor máximo do PLD for fixado em níveis muito inferiores aos de usinas mais caras que venham a ser utilizadas, parte dos custos destas deixarão de ser arcados pelos agentes contratados e terão de ser arrecadados por outros mecanismos, possivelmente através dos Encargos de Serviços do Sistema isto é, junto à totalidade dos agentes.

 Que tanto o valor máximo quanto o mínimo do PLD são relevantes para a contratação de energia nova, pois o primeiro indica o possível ganho do investidor ou o prejuízo do consumidor que fique a descoberto enquanto o segundo, se for demasiado baixo, pode atuar no sentido inverso, ao incentivar os compradores a assumirem riscos excessivos, frequentemente prejudiciais, pelo menos para os próprios, ao deixarem de contratar seu suprimento.

Destaca-se, por fim, a importância da PLD como parâmetro de orientação dos agentes da oferta e da demanda, que contribui para que estes possam valorizar os riscos envolvidos nas suas decisões de adiar ou não sua contratação de novos suprimentos. Permite assim que esses agentes atuem sem maior interferência governamental no curto prazo, porém preservando o papel regulador do Estado no balizamento dessa atuação.

Pietro Erber é diretor do Instituto Nacional de Eficiência Energética.


Comentário: Não parece, mas o artigo levanta uma das questões mais importantes do nosso sistema, a divisão de custos. Em sistemas de base térmica e mesmo em sistemas hidráulicos sem reserva significativa, esse tema não é problema. Entretanto, aqui, pelo fato das usinas não venderem a energia que geram, é um assunto complexo e ainda está longe de uma solução.

O ILUMINA mantêm um diálogo com o autor e temos diversos pontos em comum. Algumas divergências já são conhecidas pelo próprio Dr. Pietro e seu artigo nos dá a oportunidade de examiná-las mais uma vez.

É compreensível que haja um embate sobre a definição do PLD max no nosso mercado livre, pois redução de R$ 822 para menos da metade reduziria algumas distorções do nosso bizarro mercado, tais como hidráulicas vendendo energia a preço de térmicas. Não há no planeta mercado de energia que apresente as variações de 5.000% como temos no Brasil. Entretanto, na proposta apresentada pela ANEEL, uma variação de 2.500% continua a ser um fato esdrúxulo.

A nossa divergência está mais do outro lado, no PLD min. Assim como a redução do PLD max a menos da metade se baseia na representatividade de um custo médio térmico, os R$ 15,62/MWh  atuais e mesmo os R$ 30/MWh proposto pela ANEEL não representam os custos médios hidroelétricos. Para que esse custo realmente representasse apenas a operação e manutenção, seria preciso que o sistema integrado apresentasse uma situação de vertimento generalizado e não apenas em algumas usinas. Aliás, como já mostramos outras vezes, há muito tempo o sistema não apresenta vertimentos significativos. Dito de outra forma, não estamos conseguindo encher os reservatórios. Na realidade, os custos médios hidroelétricos devem se situar no entorno de R$ 60/MWh e esse diferencial com o CMO poderia ser apropriado para reduzir os custos atuais.

Isso nos leva também à formação do CMO, que, a nosso ver precisa ser urgentemente revisto. E, nesse ponto, voltamos à divisão de custos. Como pode ser justo que um mesmo sistema apresente como parâmetro de custo em seu mercado os valores de R$ 15 e R$ 822 por MWh? Quem já pode pagar R$ 15 não ajudou em nada a situação de penúria.

O que o atual período seco está nos mostrando é que precisamos usar nossa reserva com mais parcimônia. Isso só vai ocorrer se os CMO’s se elevarem. Mas, como sabemos, se isso ocorre, as garantias físicas de todas as usinas do sistema precisam ser rebaixadas e teríamos que reconhecer que faltam usinas para atender a carga com segurança.

O problema é que isso não parece fazer parte do diálogo oferecido pelo governo recém reeleito.

 

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