Racionamento ou Ações pelo Lado da Demanda?

Amaro Pereira*

O sistema elétrico brasileiro tem características bastante peculiares que, ao mesmo tempo em que representam uma grande vantagem para o país, também significam um grande desafio para o gerenciamento da sua operação e o planejamento da expansão. O setor é predominantemente hidrelétrico com grandes reservatórios de regularização, complementado por termelétricas e, em menor escala, por eólicas que permitem atender à demanda de energia com qualidade, sem comprometer significativamente o meio ambiente.

As hidrelétricas estão normalmente localizadas em regiões que são afastadas dos grandes centros consumidores. Por isso, é necessária a construção de extensas linhas de transmissão. Estas também trazem um benefício adicional ao sistema. Como o país tem dimensões continentais, as regiões apresentam diferentes regimes hidrológicos. Sendo assim, as linhas de transmissão podem conectar as regiões e permitem otimizar o aproveitamento hidráulico nos quatro cantos do país.

Alguns países possuem condições similares, como é o caso da Noruega. Lá, percebeu-se que conectando os sistemas de todos os países nórdicos haveria também o benefício da complementaridade entre as diferentes regiões, gerando um excedente de energia, o que permitiu uma redução das tarifas. No Brasil, a situação é um pouco mais complexa, pelo fato de ser um país tropical, o que faz com que os regimes hidrológicos sejam bem mais incertos. De qualquer forma, desenvolveu-se no setor uma capacitação técnica para lidar com essas questões inerentes ao sistema interligado nacional.

No caso particular das referidas incertezas, foram desenvolvidos modelos estatísticos de geração cenários séries hidrológicas sintéticas com base em um banco de dados que acumulam informações desde 1931. Assim, no planejamento energético, prepara-se o sistema para atender à demanda na maioria dos cenários gerados. O planejamento até poderia preparar o sistema para a pior condição hidrológica possível, mas isso significaria um volume de investimento em capacidade de geração e transmissão extremamente alto para situações que ocorrem em raras ocasiões. Assim, aceita-se um risco de déficit de energia em 5% dos 2 mil cenários hidrológicos gerados. Ou seja, em algum momento da nossa vida certamente passaremos por mais uma situação de restrição no fornecimento de energia. Este é uma definição que economicamente faz todo sentido. É um trade-off entre risco de déficit e custo de fornecimento de energia.

De qualquer forma, nos momentos em que ocorrem déficits, o planejamento deve ter um plano de contingência, como ocorre nos demais setores de infraestrutura. Em outras palavras, deve-se ter um plano de racionamento. Não há nenhum problema nisso. Não significa necessariamente falta de planejamento. Falta de planejamento é negar que existe risco de déficit, deixar o sistema estrangulado e impor uma redução do consumo de energia, como ocorreu em 2001. Falta de planejamento também é negar que existe risco de déficit, deixar a população acreditar que pode consumir energia à vontade e sofrer com numerosos apaguinhos e apagões, além de ter que pagar uma tarifa que é a sexta maior do mundo.

Um racionamento não representa uma falta de planejamento quando se há um conjunto de ações pelo lado da demanda que permitem os consumidores contribuírem nos momentos de restrições. Dentre estas ações, podem-se citar os programas de eficiência energética, que ficaram um pouco esquecidos no Brasil; possibilidade de lances ou de leilões de redução do consumo de energia por parte, principalmente, de consumidores industriais; benefícios para consumidores que estiverem dispostos a reduzirem sua carga, uma medida conhecida na literatura como resposta da demanda; além de incentivos à criação de microrredes, smart grids e geração distribuída.

O problema é que agora politizaram a questão do racionamento (não somente na área de energia, infelizmente) e todas as ações são tomadas de forma muito pouco transparentes. Isto resultou numa situação de fornecimento de energia cara e de baixa qualidade, num país onde deveria ocorrer o contrário se o planejamento energético fosse adequado.

* Diretor do Instituto ILUMINA e Professor do Programa de Planejamento da COPPE/UFRJ

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