Reação Tardia – Artigo

Roberto Pereira D’Araujo – Diretor do ILUMINA

No dia 2 de outubro fui convidado a participar de um excelente debate na Casa da Ciência organizado pelo Grupo de Economia da Energia da UFRJ (http://www.gee.ie.ufrj.br/). Fui honrado ao dividir a mesma mesa com excelentes técnicos do setor. Fábio Zanfelice, diretor-presidente da Votorantim Energia, José Luiz Alqueres ex-presidente da Eletrobras e Luiz Barroso Diretor da prestigiada PSR consultoria de experiência internacional.

Como é comum a quem fala por último, muito do que eu iria expor já tinha sido apontado brilhantemente pelos outros debatedores. Nesses casos, é preciso ser criativo para que não se “chova no molhado”.

Evidentemente tive que apelar para algumas obviedades que parecem estar esquecidas, tais como o fato de estarmos ali discutindo uma grave crise elétrica num país que ocupa um espaço privilegiado em termos de recursos naturais no planeta. Como o formato não previa slides para expor dados do setor, resolvi citar alguns números impressionantes da nossa triste realidade, tais como os aumentos tarifários que já se abateram e os que ainda se abaterão sobre os consumidores brasileiros.

Felizmente, o representante da PSR, ao fazer sua análise, se referiu ao modelo matemático que está no centro das nossas decisões como uma estrutura metodológica elegante, mas “frágil”.  Esse adjetivo me salvou de não ser repetitivo, pois, correndo um certo risco, fui um pouco além na crítica do Dr. Luiz Barroso.

Recentemente assistimos a uma reação das empresas da Eletrobras sobre o bilionário prejuízo advindos dos déficits de suas gerações hídricas. Essa inusitada postura revela um “despertar” sadio, mas, muito tardio.

Uma reportagem da Folha de São Paulo[1] descreve “grande desequilíbrio estrutural no setor”, que atinge todos os agentes e produz “efeitos nefastos”. Aponta a falta de leilões de energia e até decisões do Operador Nacional do Sistema Elétrico. A jornalista Miriam Leitão, que tem acompanhado as complexas questões do setor fez um correto comentário na rádio CBN sobre o assunto[2].

Na linha da “fragilidade” do modelo, da reportagem da Folha e do comentário da jornalista, vou além nessa crítica a essa estranha complacência. Na realidade, seguindo a moda dos anos 90, quando o Brasil decidiu que seria necessário implantar um modelo mercantil por quantidade de energia apesar das nossas singulares características, grandes riscos foram assumidos. Era óbvio que a implantação de um modelo competitivo sobre um sistema físico cooperativo era um grande e previsível desafio. Todos os técnicos que lidam com os modelos matemáticos que estão no centro das decisões sabiam que, desde sempre, havia incertezas sobre as grandezas envolvidas com os déficits alvo das reclamações das empresas.

Apenas para citar um detalhe, não fosse a expansão da amostra de afluências dos oitenta para dois mil anos, também através de modelo matemático, a variável “Garantia Física” teria pouca significância estatística. Seria como fazer uma pesquisa de opinião com uma amostra insuficiente para representar o universo de uma população. A “fragilidade”, que prefiro chamar de insegurança, sempre existiu e era perfeitamente conhecida do corpo técnico do setor. De certo modo, essas incertezas eram minimizadas pela enorme reserva hídrica que tínhamos no passado. Como a carga cresceu e a reserva permaneceu constante, essa confortável situação deixou de “amortecer” os previsíveis erros.

Só me resta perguntar que tipo de impedimento, constrangimento ou complacência teria feito com que essa visão crítica nunca tenha sido colocada claramente. Será que as políticas equivocadas teriam prevalência sobre argumentos técnicos bem fundamentados se essas visões tivessem lugar sob o sol? Que tipo de governança cala úteis visões críticas que poderiam corrigir rumos equivocados?


 

[1] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/09/1688188-estatais-federais-culpam-dilma-por-prejuizo-das-hidreletricas.shtml

[2] http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/miriam-leitao/2015/09/30/ESTATAIS-DO-SETOR-ELETRICO-SOFREM-COM-SECA-E-MA-ADMINISTRACAO.htm

 

 

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