Tolmasquim: “Temos energia excedente” – Carta Capital

Como ver a atual situação "cor de rosa". Comentários do ILUMINA logo após cada resposta do presidente da EPE. A figura ao lado ilustra as duas óticas. Olhada por um lado, compara o consumo com a pilha das garantias físicas, uma jabuticaba brasileira. Olhada pelo outro lado, vê-se que, na realidade, quem gera no lugar das térmicas são as hidráulicas…..e ai a coisa fica preta!


Presidente da Empresa Brasileira de Energia reconhece momento extremo, mas afasta a possibilidade de racionamento

por Samantha Maia — publicado 17/04/2014

Em meio a críticas sobre a segurança do sistema elétrico em um ano de escassez de chuvas, Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética, responsável pelo planejamento nacional do setor, afasta a possibilidade de racionamento. “Todas as previsões levam a um final de ano em condições de se ter um 2015 sem problemas de abastecimento.” Para isso, a EPE projeta para o período seco precipitações de 78% da média histórica no subsistema do Sudeste e de 65% no Nordeste, um cenário, segundo ele, conservador. A seguir, os principais trechos da entrevista.

CartaCapital: O risco de falta de chuvas foi subestimado?

Mauricio Tolmasquim: Realmente passamos por uma das piores hidrologias que se tem registro desde 1931. Nunca houve, ao mesmo tempo, uma situação ruim dessa forma nos subsistema Sudeste/Centro Oeste e Nordeste. Vivemos uma condição hidrológica extrema, bastante ruim. Em janeiro e fevereiro, choveu a metade do que tinha que chover na média de longo prazo nessas regiões. Mas não tem nada a ver com o que aconteceu em 2001. É importante distinguir a situação conjuntural da hidrologia, muito pior do que a de 2001, com a estrutural, mais sólida do que tinha naquele ano.

ILUMINA: É necessário dizer que o sistema brasileiro dispõe de reservatórios capazes de armazenar o equivalente a 220 TWh, um pouco menos da metade do que se consome em um ano. Portanto, nada acontece de repente aqui. A seca se iniciou em outubro de 2013. São apenas 5 meses, o que não deveria jogar o sistema na beira de um racionamento como agora. Reservatórios se esvaziam também por uso excessivo. Além disso, essas baixas médias já foram verificadas muitas vezes no histórico.

CC: Qual a diferença?

MT: Entre 1995 e 2001, o consumo de energia cresceu 26,5%, enquanto a capacidade instalada cresceu 24,6%. De 2001 a 2013, o crescimento do consumo foi de 50,8% e o da capacidade, 72,4%. Ou seja, houve uma expansão da quantidade de usinas muito maior do que o aumento do consumo. Outro ponto é a diversificação da matriz. Continuamos com a matriz majoritariamente hidrelétrica, mas a dependência diminuiu em relação a 2001. O peso das termelétricas no sistema passou de 16% para 29%. A diversificação funciona como um seguro da hidrologia. É mais caro, mas o racionamento tem um custo maior.

ILUMINA: Comparar o crescimento do consumo com o crescimento da capacidade instalada não é valido simplesmente porque nem todas as usinas geram o tempo todo. O governo tem a mania de mostrar a soma das garantias físicas das usinas sem explicar que as garantias das térmicas são cobertas pelas hidráulicas. Isso esvazia reservatórios. Foi justamente por fazer uma expansão baseada em leilões genéricos, cujos resultados surpreenderam com tantas térmicas a óleo, gás e diesel que estamos nessa situação. Não adianta adianta computar na oferta energias que só são geradas pelas próprias usinas quando a situação já está preta!

CC: É um problema todas as termelétricas estarem acionadas?

MT: Elas foram feitas para isso. Só no Brasil gera comoção. Uma termelétrica pode passar dez anos sem ser acionada, mas uma hora será. E estão entrando novas plantas, o setor não está parado. Assim como vai entrar energia nova eólica. E em maio começa a safra da biomassa, que vai até novembro e acrescentará 4 mil megawatts de geração ao sistema. É uma quantidade importante.

ILUMINA: Estarem acionadas desde setembro de 2012 e, com grande chance, ficarão acionadas até 2015! Claro que é um problema!! Ora, se uma térmica pode passar dez anos sem ser acionada e continua vendendo energia é preciso esclarecer quem gera no lugar dela. Nessa singela frase está toda a complexidade e instabilidade do modelo mercantil brasileiro.

CC: Qual o impacto da situação hidrológica atual sob o planejamento?

MT: Não se planeja olhando o pior cenário hidrológico. Faz-se uma análise probabilística, considerando um nível de risco aceitável de 5% de déficit. Hoje temos uma sobra de energia muito maior do que esse planejamento estrutural considera. Por isso conseguimos passar por esse momento extremo, porque foi contratada uma reserva grande e o consumo não cresceu tanto.

ILUMINA: O critério não é mais 5% de déficit há tempos. Hoje, por decisão do MME, o critério é de que o custo marginal de operação médio (este que hoje está em R$ 822/MWh) deve estar no entorno do custo marginal de expansão, que gira no entorno de R$ 120/MWh. Isso dá uma idéia do tamanho do desequilíbrio do sistema.

CC: Quanto tem de sobra e o que ela representa?

MT: Se trabalharmos com um risco de 5% no sistema, temos 5,5 mil megawatts médios de energia excedente. Isso significa que em 95% dos cenários hidrológicos prováveis, as hidrelétricas podem ofertar 72,4 mil megawatts médios ou mais, diante de um consumo estimado de 66,9 mil MW médios em 2014. Então temos um excedente equivalente a 8% da carga, que é o consumo mais as perdas. Em um cenário de risco menor, de 1%, para se precaver contra séries hidrológicas piores, ainda assim temos um superávit estrutural. Em 99% dos cenários hidrológicos prováveis, as usinas hidrelétricas brasileiras podem gerar 67,5 mil megawatts médios, um excedente de 7,7% da carga. Nos dois casos já estão considerados os atrasos na entrada de novas ofertas.

ILUMINA: Essa oferta das hidroelétricas é apenas a “garantia física” associada a elas. As hidro têm que gerar também pelas térmicas. Além disso, como o critério de operação mudou e vai mudar ainda mais, TODAS as garantias físicas do sistema teriam que ser revistas para baixo. Estamos necessitando de novas usinas porque as atuais não têm mais as garantias que se estimou.

CC: O cenário atual pode se enquadrar no 1% de risco?

MT: É difícil dizer isso. Em 99% das hidrologias, eu tenho uma oferta maior do que a demanda. Claro que é preciso estar atento, é um sinal amarelo, porque estamos em um momento extremo, mas temos um sistema bastante robusto para poder enfrentar isso. Não é impossível que enfrentemos um período seco pior que todos em todas as regiões, mas não é provável.

ILUMINA: Outra vez o mesmo engano. Em 99% das hidrologias temos uma oferta hipotética maior que a demanda. Na realidade o sistema está degradado em termos de garantia.

CC: E qual o cenário esperado para o período seco?

MT: O grande diferencial vai ser o subsistema Sul, porque é ele que pode mandar energia para o Sudeste/Centro Oeste para equilibrar e, aparentemente, vamos ter um período de boa hidrologia no Sul.

ILUMINA: É preciso notar que antes de atingirmos níveis preocupantes as turbinas terão que ser desligadas por problemas de cavitação. O Sul representa apenas 6% da reserva.

CC: Fontes do setor financeiro estimam um nível médio de 14% nos reservatórios em novembro, o que tornaria inevitável um racionamento em 2015. O senhor concorda?

MT: Não é possível fixar um número. Trabalhamos com vários cenários e olhamos para 2015. Cada cenário chega a níveis diferentes. É claro que ninguém faz um raciocínio de que não vai chover nada, pois mesmo em um ano de hidrologia muito ruim, choveu pouco, mas choveu. Por enquanto estamos monitorando o tempo todo e, claro, se for preciso tomar uma medida, vai ser tomada. Disso não tenho dúvida. O monitoramento considera todas as variáveis: chuva, nível dos reservatórios, entrada de nova oferta, consumo. Olhamos as 82 séries históricas existentes e outras duas mil séries sintéticas, formuladas no computador.

ILUMINA: Essa talvez seja o nosso único ponto de concordância. Não há como ter 100% de certeza num país de clima tropical.

CC: O que levaria à necessidade de racionamento?

MT: Não existe esse número, porque é uma conjunção de fatores, depende de como vai evoluir o clima, se vai chover mais ou menos. Por isso que monitoramos e construímos cenários. No cenário de hoje, todas as previsões levam a um final do ano em condições de ter um ano de 2015 sem problemas de abastecimento, com baixo risco. Mas claro que tem que ver se o período seco virá como projetamos, que é chover no subsistema do Sudeste/Centro Oeste 78% da média histórica, e no Nordeste, 65%. É um cenário bastante conservador.

ILUMINA: Essa talvez seja o nosso único ponto de concordância. Não há como ter 100% de certeza num país de clima tropical.

CC: Qual o impacto dos atrasos em obras de geração no cenário atual?

MT: No cenário que trabalhamos, já são considerados os atrasos. Por exemplo, o excedente medido anteriormente era de 6,2 mil megawatts médios, mas como houve atraso de uma térmica e de algumas turbinas de Jirau, a gente atualizou para 5,5 mil megawatts médios. Um comitê de monitoramento reavalia todo mês a data de entrada das usinas. Em 2015, esse excedente aumenta para 8,8 mil megawatts médios, em 2016, para 9,5 mil, e em 2017, para 10 mil. Todos no cenário de 95% de probabilidade.

ILUMINA: Mais uma vez, por trás do otimismo a superavaliação das garantias.

CC: Como está a expansão da oferta?

MT: Não há problema de expansão. O capital privado tem investido no setor. Desde a implantação do novo modelo em 2004, contratamos 731 usinas, um total de 67.378 megawatts. É muita coisa, o Brasil tem uma capacidade instalada de 125 mil megawatts. Há problemas de execução, tentamos minorar, mas temos que trabalhar com imprevistos. De 2005 a 2013, fizemos 27 leilões de energia nova.

ILUMINA: Sr. Presidente, explique então que tipo de usinas são essas. Geram a energia associada a elas?

CC: Qual foi a mudança trazida pelo novo modelo?

MT: No modelo anterior, o setor privado não investia e as estatais estavam impedidas de investir. Isso acabou com o sistema de leilões. O contrato de longo prazo obtido no leilão é uma garantia para pegar financiamento no BNDES, são contratos blindados contra a queda de demanda, com manutenção da receita. Em cada leilão, analisamos de 500 a 600 projetos. É uma dinâmica muito interessante, ficou fácil investir.

ILUMINA: O modelo é rigorosamente o mesmo. A descontratação, medida imaginada pelo governo FHC, foi implantada no governo LULA. O mercado livre, com toda a falta de isonomia e instabilidade, foi implantado no governo Lula. As usinas da Eletrobras, descontratadas no governo LULA, tiveram que continuar a gerar energia proporcionando ganhos fantásticos no mercado livre. Também foram proibidas de buscar alternativas para seu descontrato. O BNDES chega a financiar 80% de alguns projetos. Se houver alguma insegurança adicional, as empresas da Eletrobras entram em parceria minoritária.

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