Senso de urgência: conter o consumo de eletricidade no país – Artigo do Infopetro

Por Renato Queiroz

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) acendeu uma luz vermelha ao divulgar em 17 de outubro passado que a situação dos reservatórios da Região Sudeste continuava se deteriorando e as previsões eram pessimistas. De fato o PMO referente à semana de 25 a 31 de outubro de 2014 apontou para uma piora na previsão de vazões. O ONS em seu programa mensal de operação eletroenergética (PMO) publicado semanalmente faz projeções, entre outras, dos volumes das chuvas nas regiões do Brasil. A previsão das vazões afluentes aos reservatórios em base mensal e semanal é uma atividade básica no planejamento da operação energética em um sistema predominantemente hidroelétrico como o brasileiro.

O Sudeste, que responde por cerca de 70% do armazenamento de água nas usinas hidrelétricas brasileiras, tinha como projeção chegar ao final de outubro com 19 % de armazenamento. O informe do ONS ainda apontava que, em outubro, as chuvas das regiões Sudeste e Centro-Oeste não deveriam atingir a 70 % da média histórica. Como a situação prevista para outubro foi pior, a expectativa do nível dos reservatórios para o final de novembro, cai para 15,8% no Sudeste.

E certamente os custos marginais de operação atingem a previsões crescentes. No PMO da 2ª semana de outubro a previsão era de cerca de R$ 850,00. Já o PMO de 25 a 31 de outubro o valor encontrava-se em R$ 890,12. As últimas previsões já indicam que o custo marginal de operação ultrapassa os R$ 1000/MWh, na média, entre 1º e 7 de novembro. Neste sentido o preço de liquidação das diferenças (PLD) no mercado brasileiro estará batendo no seu  limite máximo legal  de R$ 822,83/MWh.

Ainda no rol das notícias preocupantes o programa mensal da operação, que ajusta também a previsão da carga de energia mensal nos subsistemas para cada mês, previa em 17 de outubro um crescimento da carga de energia [i] de 2,4 % em relação ao mesmo de mês de 2013 e não 1,3 % como era a previsão  anterior. Esta nova previsão se deve ao aumento do consumo de energia elétrica dos consumidores residenciais e comerciais.  Os novos números previstos pelo ONS  já são superiores para os mês de novembro. E o verão ainda não chegou com toda a sua intensidade.

Por outro lado, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) [ii] tem afirmado em suas reuniões que as previsões de afluências indicam a garantia do suprimento para o atual ano, pois o parque de geração termelétrico tem condições de  complementar  a geração hidrelétrica.

No entanto, há um consenso no âmbito técnico do setor que algumas ações para obtenção de resultados no curto e médio prazos já poderiam ter sido priorizadas pelos órgãos  de decisão de política energética nacional. Há uma unanimidade entre esses especialistas que não dá para ficar rezando para chover sem ações preventivas de economia no consumo de energia elétrica. Medidas como essas contribuiriam para diminuir o violento “stress” técnico e econômico a que está submetido o setor, reduzindo os custos finais reais da crise tanto para as empresas quanto para os consumidores.

Vejamos as de médio prazo quais seriam essas medidas:

  • Programa intensivo na busca de diminuição das perdas técnicas na rede de Distribuição de Energia. As perdas que ocorrem dentro do sistema de distribuição são classificadas em comerciais e perdas técnicas.  Na primeira classificação são os conhecidos roubos ou “gatos” na linguagem popular. A ANEEL define essas perdas decorrentes de “furtos de energia, erros de medição, erros no processo de faturamento, unidades consumidoras sem equipamento de medição, obsolescência dos aparelhos de medição etc”. A diminuição dessas perdas comerciais encontra dificuldades. Há locais nas cidades em que um fiscal da Distribuidora não se arrisca a chegar perto temendo pela sua segurança pessoal. Tais perdas significam que os consumidores regulares vão arcar com parte do consumo dos furtos de quem realiza ações ilegais em sua conexão com a Concessionária. Além disso, há grandes prejuízos destas empresas e do próprio Estado que perde na arrecadação de impostos. As perdas técnicas se referem ao consumo dos equipamentos responsáveis pela distribuição de energia. A diminuição de perdas por motivos técnicos exige investimentos das Concessionárias em  reforços nas  redes de distribuição, na implantação de  novas subestações, na expansão e instalação de bancos de capacitores, na substituição de transformadores sobrecarregados etc. Anualmente, as distribuidoras registram elevadas perdas na distribuição, tanto técnicas, quanto comerciais. Havia indicações de que após a privatização das empresas Distribuidoras tais perdas diminuiriam. Isso não aconteceu. Hoje no país as perdas na Distribuição chegam a um nível que beira os 15 %. A Agência Reguladora estabelece limites ou metas que podem ser compensados na Revisão Tarifária das empresas. No caso das perdas técnicas, a ANEEL poderia  intensificar a fiscalização nas Concessionárias  avaliando se essas  empresas estão realizando um programa de investimentos necessários na modernização das instalações;  e até estabelecer novas
  • Uma segunda ação importante que deve ser intensificada, ainda no âmbito da distribuição é a implantação dos smart meters, ou seja, medidores eletrônicos inteligentes que podem aferir em tempo real a oferta e o consumo da energia elétrica identificando erros e oferecendo inclusive comunicação entre a empresa e o consumidor. O processo de instalação destes medidores em escala nacional está lento, pois falta estrutura para instalações em grandes distâncias de redes, em várias subestações e também em modernização nos sistemas de comunicação e automação. Esta ação tem que ser enfrentada para que seja acelerada a instalação de uma rede chamada inteligente. Os benefícios virão rapidamente.
  • Programa acelerado de troca de lâmpadas mais eficientes. A portaria interministerial n° 1007/2010, que estabeleceu níveis mínimos de eficiência energética para lâmpadas incandescentes terá como resultados até 2016 a saída de circulação no país de lâmpadas incandescentes. Como as lâmpadas LED (Light Emitting Diode) são as mais eficientes com menor consumo em watts e maior fluxo luminoso há necessidade de aumentar a motivação do consumidor em usar tal tecnologia e também orientá-lo, pois as LEDs necessitam ser usadas corretamente. Mas o fator preço é fundamental para esta decisão. As lâmpadas LEDs que chegam ao mercado brasileiro ainda são  bem mais caras que outras e o preço influencia na decisão do consumidor.  Há iniciativas de incentivos em um uso maior  de LEDs  por  algumas Distribuidoras. O governo, no entanto, poderia desenvolver um forte programa com subsídios e ampla divulgação para levar o consumidor a trocar suas lâmpadas incandescentes e fluorescentes compactas por lâmpadas LEDs. O consumidor desconhece na sua grande maioria que as lâmpadas de LED duram aproximadamente 25 vezes mais do que as lâmpadas incandescentes e três vezes mais do que as lâmpadas fluorescentes compactas. Vale ressaltar que estas tecnologias já estão sendo produzidas no Brasil e disponíveis no mercado. Mas um programa de incentivos para o Brasil ter mais fabricantes é uma ação de política industrial de importância significativa.
  • Geração Distribuída / Painéis Solares em residências. Um programa mais agressivo de implantação de placas solares no setor residencial deveria ser avaliado com urgência. A regulação da ANEEL para geração descentralizada ou distribuída de pequeno porte, desde 2012, teve avanços e reduziu entraves através da Regulação Normativa 482/2012. Quem quiser gerar energia, por exemplo, através da energia solar, e não usar toda a energia gerada poderá injetar a sobra na rede da Distribuidora e obter um crédito para abater o consumo em meses futuros. O que tem como barreira são os preços dos painéis solares, inversores e outros componentes, pois não há um mercado ativo de produção de peças para geração fotovoltaica. Os preços aqui no país com impostos de importação ficam bem altos. Um programa direcionado para reduzir impostos federais tais como impostos de importação, PIS, COFINS e impostos estaduais, tais como o ICMS podem acelerar um programa como este. O governo decidiu iniciar os leilões para geração centralizada de energia elétrica a partir de energia solar. Certamente esta ação deverá abrir as portas para um desenvolvimento nacional de componentes para a indústria de energia solar. Mas o fomento para a geração distribuída para condomínios e residências com ações em paralelo de política industrial trará resultados de curto prazo e aliviará o sistema interligado. A avaliação e fomento de  modelos comerciais, como há em mercados mais maduros, como o americano (ex. o“ Solar Lease”),   também incrementa o desenvolvimento dessa indústria. E o próprio governo poderia incentivar avaliações e mapeamentos desses mecanismos através de projetos de P&D.

No curto prazo a sociedade já deveria ter sido amplamente e didaticamente informada da situação dos reservatórios das hidrelétricas, do uso na base de usinas térmicas que não foram previstas para tal frequência de operação e também dos altos custos da operação com térmicas. Essa ação é uma necessidade que o governo deveria buscar, fornecendo explicações em uma linguagem que o público não especializado pudesse entender.  Neste plano de informação poderia até constar opções e sugestões para a diminuição do consumo que a princípio pareceria ser de pouca economia de kWh por residência, lojas etc. Mas, com o apoio da mídia, e havendo forte adesão a tais opções pela população a economia de energia no conjunto dos consumidores será significativa.

Uma dessas ações, por exemplo, é não deixar que determinados eletrodomésticos operem em modo de espera (stand by). A luz que fica acesa sempre no aparelho de micro-ondas, no DVD, na TV, no conversor de TV por assinatura etc. acarreta um desperdício de energia e rebate na conta de luz. Hoje muitos especialistas afirmam que as luzes destand-by respondem por 15 % do gasto de energia de uma residência. Há certas comodidades, conforme o produto, que levam o consumidor a não desligar a luz de espera para evitar a necessidade de realizar novas configurações como é o caso de conversores de tvs por assinatura ou televisores que, ao serem desligados por completo, perdem informações como o relógio, etc. Mas um plano bem transparente apontando as vantagens da economia fará o consumidor brasileiro apoiar tais medidas.

A situação apresentada pelo ONS em seu PMO leva à necessidade de um estabelecimento de um programa de divulgação mostrando à sociedade a importância da diminuição do consumo no curto prazo  com informações e sugestões de usos mais eficientes. Em adição uma avaliação de ações de política energética com medidas estruturais concretas para a diminuição do consumo no médio prazo como aquelas  exemplificadas acima.

Os órgãos de defesa do consumidor bem como os especialistas do governo em eficientização de energia conhecem bem todas essas medidas de mudanças de hábitos  e também as ações mais estruturais listadas. Mas, no Brasil, todas essas ações estão sendo desenvolvidas em um cronograma de um ambiente de fartura de energia, o que não é o nosso caso. O setor elétrico necessita de um senso de urgência. O uso eficiente e racional da energia encontra-se dentro deste contexto.

Referências:

Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL http://www.aneel.gov.br/

Empresa de Pesquisa Energética – EPE http://www.epe.gov.br/

Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético-ILUMINAhttp://ilumina.org.br/

Operador Nacional do Sistema  Elétrico- ONS – http://www.ons.org.br/

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[i] Carga de energia ou carga de energia própria éo montante total de energia requisitado de uma instalação ou conjunto de instalações em determinado período (relação entre a eletricidade gerada em MWh e o tempo de funcionamento das instalações). É medido em megawatt médio (MWm).

[ii] Comitê governamental, criado em 2004 para acompanhar e avaliar a segurança do suprimento eletroenergético,  composto por representantes dos agentes oficiais do setor energético brasileiro como: o Ministério de Minas e Energia, a Agência Nacional de Energia Elétrica, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica , a Empresa de Pesquisa Energética e o Operador Nacional do Sistema Elétrico.

 

 

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